Já não sou adolescente. Sei que poemas não conquistam corações ou territórios. Mas sei que expressam uma vida. Uma vida diáfana, sutil, que escapa facilmente diante da densidade. E uma vida plena e livre que vale a pena ser vivida mesmo que por minutos somente. Não importa então se o que se vive é mentira (e quem sabe com certeza definir?) desde que no final o poema expresse alguma verdade. Não importa se belo, cadencioso, literário ou não. O que importa é a sinceridade mesmo na mentira. E a coerência no final coroando a incoerência. A arte é longa, a vida é breve, há de se tentar criar onde quer que haja oportunidade. E se não houver que se a invente.
Hermes é o deus dos ladrões. E como deus, o engodo que utiliza e ensina é sagrado. Afrodite é a deusa do amor e da beleza. O filho dos dois é o Hermafrodito do qual não se pode dizer se é homem ou mulher. Ou antes pode-se dizer que é os dois.
fico pensando
relaxado
na cadeira de balanço
o que diria
se pudesse
o seu regaço
de mulher, de menina
o que diria
se um buraco
e o y cromossomo
me faltassem?
o que diria
se possível
conversar?
se ambos
transformados,
sós e raros
hermafroditos?
e não houvesse
entre nós
a diferença:
macho e fêmea.
O que diria
o seu regaço?
O que diria
a completude
à completude?
fico pensando
relaxado
na cadeira de balanço
o que diria
se pudesse
o seu regaço
de silêncio, de mistério
o que diria
sem palavras
se a distância
do pudor
não reinasse?
o que diria
se possível
levitar
se ambos
renovados,
um do outro
serenos artistas?
e não houvesse
entre nós
a diferença:
tempo e tino.
o que diria
o seu regaço?
o que diria
a completude
à completude?
fico pensando
relaxado
na cadeira de balanço
o que diria
se pudesse
o seu regaço.